Greve dos Auditores Fiscais, o que fazer?
Por meio do SINDIFISCO Nacional – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, e demais mídias jornalísticas, ficou conhecida a deflagração da nova greve dos Auditores Fiscais, com paralisação nos dias 11 de maio e 16 a 18 de maio.
Após informação de que líderes parlamentares e membros da Comissão Mista que analisam a Medida Provisória 765/16 tentam atrasar a votação da referida normativa, que prevê reajustes salariais para a categoria, os Auditores Fiscais entenderam por bem exercer, novamente, seu “direito de greve”.
Agora, pergunta-se, até que ponto o direito de greve pode ser exercido? Quais os princípios constitucionais que dão limite à paralisação e aos seus efeitos perante os administrados? Esses são os pontos a serem debatidos no presente artigo.
O direito de greve/paralisações do servidor público foi consagrado constitucionalmente pelo artigo 37, VII da Constituição Federal, estando, atualmente, a exigir a edição de mera lei ordinária para que se regule nos efeitos, o que é fundamental exatamente porque o serviço público distingue-se dos demais não só em razão de sua essencialidade, mas, sobretudo, porque cuida de gerir a coisa pública.
Apesar de se saber da existência constitucionalmente garantida do direito à greve, o especial status do serviço público, colocando-o no vértice das políticas públicas estatais, sempre esteve a exigir uma atividade contínua, que deve ser mantida mesmo havendo uma greve, uma paralisação de seus servidores, frente aos princípios da essencialidade e continuidade dos serviços públicos.
Na ausência de lei regulamentadora, a jurisprudência vem operando, quanto ao serviço público, com a aplicação da Lei nº. 7.783/89 que dispõe sobre as atividades essenciais, definindo as necessidades comunitárias essenciais que não podem deixar de ser atendidas a pretexto do exercício do direito constitucional. Assim dispõe a referida legislação, no seu artigo 9º.
Nesse sentido, sendo certo que os atos realizados pelos agentes administrativos lotados na Secretaria da Receita Federal do Brasil são serviços essenciais, entende-se, que o direito de greve não pode se sobrepor a ponto de sacrificar o direito do contribuinte de obter a prestação estatal eficiente.
Sobre o tema, colaciona-se: “o interesse público deve manifestar-se no cumprimento do dever e não na omissão, porque ao Estado interessa o regular funcionamento de todos órgãos encarregados de desenvolver suas atividades essenciais”. (TRF4, AG 2006.72.01.002120-3, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 13/12/2006).
Além da lesão verificada aos princípios constitucionais da essencialidade e continuidade dos serviços públicos, a negativa em proceder ao dever do ofício dos agentes do Fisco Federal também desobedece aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da valorização do trabalho, estabelecidos no artigo 1º, inciso IV, da Carta Magna. Sem mencionar que a ordem constitucional brasileira, em seu art. 170, enuncia os princípios regentes da ordem econômica.
E ainda que se trate de paralisação em dias específicos, a suspensão de procedimentos administrativos atinentes ao despacho aduaneiro de importação, em virtude da greve, importa em injustificado gravame às atividades comerciais das empresas ligadas ao comércio exterior. Isso porque o Supremo Tribunal Federal entende ser serviço essencial a continuidade do Desembaraço Aduaneiro (STF AGREG no Recurso Extraordinário n. 848.912, Espírito Santo, Rel. Min Rosa Weber, 10/02/2015).
No que se refere despacho de importação, meio pelo qual se inicia o processo de internalização da mercadoria no País (arts. 542 a 579 do Decreto 6.759/2009 – Regulamento Aduaneiro, além da IN/SRF 680/2006), o mesmo se trata de uma das espécies de procedimento administrativo, assim, tem o seu início com o registro da declaração de importação (art. 545 do RA), a segunda fase do despacho aduaneiro é a conferência dos produtos e a terceira e última fase é o desembaraço aduaneiro (art. 571 do RA).
Assim, no caso de inexistirem exigências a serem cumpridas, o prazo razoável e proporcional a ser fixado para determinar à autoridade coatora o prosseguimento da conferência das mercadorias e a conclusão dos desembaraços aduaneiros encontra amparo na Lei 9.784/99, conforme art. 24, onde dispõe que “inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, (…).”
Já o Decreto no 70.235/72 dispõe, no art. 4º que, salvo norma em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias. No âmbito constitucional, assim está previsto acerca da celeridade dos atos administrativos: Art. 5º. (…) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional no 45, de 2004).
Nesse contexto, pode-se afirmar, após conjugação de todos os dispositivos legais demonstrados, que o serviço essencial e o prazo célere previstos no âmbito do despacho aduaneiro de importação não podem ser desconsiderados em virtude de greve, já que nesses casos o administrado fica, por muitas vezes, sofrendo vultoso encargo pelo fato de suas mercadorias estarem paradas, estando sem a possibilidade dispor de seus bens (art. 1.228 do Código Civil).
Inclusive, a jurisprudência do nosso Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª é no seguinte sentido. Citam-se precedentes: TRF4, AP no 5012314-23.2015.4.04.7208, Relator MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Julgado em 03/08/2016 e TRF4, Remessa Necessária no 5011871-72.2015.4.04.7208, relator Rômulo Pizzolatti, Julgado em 17/05/2016.
Portanto, ainda que movimentos grevistas e paralisações dos servidores públicos sejam um direito garantido constitucionalmente, esse direito não pode afetar os direitos dos particulares. Assim, em virtude dos princípios constitucionais anteriormente citados, entende-se que o administrado não pode ter seu direito à continuidade de prestação estatal de serviço essencial preterido ao direito de greve.
Por isso, não se justifica, em virtude de paralisação grevista, no caso aqui analisado, a ultrapassagem do prazo para efetiva finalização do desembaraço aduaneiro, em 05 (cinco) dias, quando muito o da regra contida no art. 4 do Decreto 70.235/72 (com exceção ao cumprimento de exigências), devendo o Importador, nessa situação, buscar a prevalência de seus direitos junto ao judiciário.
Escrito por Camila M. Mello Capelari, sócia do Novak & Capelari Advocacia, escritório especializado em comércio exterior, Advogada, inscrita na OAB/SC 47.642, especialista em Direito e Processo Tributário e expert em Direito Aduaneiro e Internacional.
Foto: SINDIFISCO NACIONAL/DIVULGAÇÃO/JC.